A Deusa e o Deus

19/06/2012 21:32

 

 

   Talvez a crença wiccana mais fundamental seja a existência de duas forças criativas complementares que formam e estão em tudo o que existe. É bem sabido que personificamos tais forças em dois princípios máximos: a Deusa e o Deus. É preciso admitir que esta crença é bem abrangente e dá margem a muitas interpretações. Mas afinal, como as divindades são vistas na Wicca?

   Embora seja o pilar da fé dos bruxos, este tópico é um dos mais, senão o mais, debatido e há centenas de pontos de vista divergentes. Algumas correntes acreditam que mesmo os Deuses fazem parte de uma força maior, à semelhança do taoismo, que crê que os dois princípios criativos do Universo, Yin e Yang, provém de uma fonte primordial, algo inexplicável e incognoscível, o Tao. Alguns reconstrucionistas o chamam de OIW (pronuncia-se “oyune”), baseados no “Resumo do Credo Celta”, de Robert Ambelain. Outros dizem "Dryghten", proveniente de "Dryhten", termo de origem germãnica para se referir a Deus em textos cristãos medievais escritos em inglês antigo, e possivelmente a outros deuses também. A religião se aproximaria do monoteísmo, embora não de forma total.

   Outros defendem o oposto: todos os deuses das mitologias e religiões são reais. Nestes sistemas, a maioria aceita que “todas as deusas são aspectos da Deusa e todos os deuses são aspectos do Deus” e a Wicca estaria bem próxima do politeísmo. Alguns veem os deuses como seres, outros como arquétipos, outros ainda como forças.

O entendimento das divindades deve ser pessoal, intuído individualmente. O que seu coração diz sobre os deuses? O que todo wiccano concorda é que a Deusa e o Deus existem de alguma forma, criaram o universo (direta ou indiretamente) e estão presentes nele, participando dele. São divindades imanentes, e não transcendentes.

   A maneira de nomeá-los também é variada. A nomenclatura tradicional chama a Deusa de Aradia e o Deus de Cernunnos. Daí vem o termo “Tradição Cernadiana”. Alguns membros da Tradição Alexandrina chamam o Deus de “Karnayna”. Outros wiccanos seguem nomes de divindades locais, ou apenas dizem “Deusa” e “Deus”. Cernunnos é um deus celta com chifres, e provavelmente é um termo genérico para todos os deuses com essa característica. Na stregheria (bruxaria italiana), Aradia é uma poderosa bruxa, filha de Diana. Seus nomes são considerados ideias justamente por não possuírem lendas e atributos específicos, podendo representar as divindades de maneira abrangente.

   Enquanto os nomes variam, as representações são sempre as mesmas: a Deusa é a uma divindade tríplice da Lua e o Deus é mostrado como portando chifres. Acredita-se que tudo o que é feminino provém em grande parte da Deusa (embora nada seja totalmente feminino ou masculino). Os ciclos da vida também se manifestam nela: o início, a pureza, a primavera, a juventude são simbolizados pela Donzela, a deusa menina. O apogeu, o vigor, o amor, o verão, etc. provêm da Mãe, a deusa grávida. E o declínio, a fraqueza, a sabedoria, a magia e o outono são simbolizados pela Anciã, a velha sábia. Princípio, auge e decadência, tudo faz parte da vida e é natural, e tudo está na Deusa. E após a morte, passa-se um período no outro mundo (a destruição, o inverno, a reconstrução) para que o renascimento num novo corpo (numa nova forma, numa nova primavera) seja possível.

O Deus Cornífero representa tudo o que é masculino. Seus chifres são o símbolo de sua virilidade, pois chifres fortes e vistosos entre animais como o cervo, o touro e o bode indicam vigor e potência. Apresenta diferentes aspectos, mas novamente há três que são proeminentes: o Caçador, senhor dos animais, do lado selvagem da vida, aparecendo com patas e outras partes de animais; o Senhor dos Bosques, protetor das florestas, o auge da energia masculina, muito representado em rostos cobertos ou compostos de folhas (o Green Man); e um velho de longa barba, o Ancião, simbolizando sabedoria, experiência e magia.

   Isso já foi falado muitas vezes, mas é sempre bom lembrar que os bruxos não adoram o Diabo pelo fato de seu Deus possuir chifres. Na verdade, é justamente pelo fato de pagãos adorarem deuses com esta representação que a Igreja Cristã tentou demonizá-los, fazendo uma propaganda maciça para que o povo parasse de segui-los. Podemos confirmar isto em fontes fiáveis e independentes feitas por historiadores e acadêmicos. Brian P. Levack, por exemplo, diz em seu livro ”A caça às bruxas na Europa Moderna”:

“Na medida em que a Cristandade, o Reino de Cristo, expandiu-se de leste a oeste, nada mais natural que os pais da Igreja consignassem às religiões contra as quais competiam, tanto a judaica quanto a pagã, ao Reino de Satã. Esse processo contribuiu para a própria representação visual do Diabo na arte cristã. Uma das mais eficazes táticas da Igreja Cristã, ao lidar com os convertidos, ou convertidos em potencial, que continuassem a venerar seus deuses pagãos, era de demonizar tais deuses – alegar serem tais deidades na verdade demônios, ou o próprio Diabo. Por essa equação ser feita tão frequentemente, os cristãos começaram a representar o Diabo das maneiras como os pagãos viam seus deuses. [Nem todas as características a ele atribuídas são imitações de deuses pagãos] (...). Não obstante isso, muitas das características atribuídas ao Diabo pertenciam originalmente a deuses pagãos. A barbicha, as patas fendidas, os cornos, a pele rugosa, a nudez e a forma semi-animalesca representam referência direta ao deus Greco-romano Pã e também ao deus celta Cernunnos, enquanto que as tetas, que figuram frequentemente em representações do Diabo do século XVII, certamente derivam da deusa da fertilidade Diana”.

   Vale lembrar que o culto a nossos Deuses é bem anterior ao surgimento da ideia do Diabo e que, de qualquer forma, bruxos não acreditam neste.

   O primeiro passo no caminho de qualquer postulante a se tornar wiccano certamente é ganhar intimidade com as Divindades. Forme uma imagem deles, veja a Deusa como uma verdadeira mãe, uma bondosa e carinhosa mulher sempre pronta a ouvi-lo e auxiliá-lo. O Deus também deve ser visualizado como um pai bondoso, sábio e forte. Converse com os Deuses, sinta-os, faça suas orações de forma espontânea, quando vir um arco-íris, um pôr do sol, algo belo ou triste, quando sentir a necessidade de se aproximar deles. Um bruxo é um sacerdote, então o primeiro passo na Wicca é sentir esta conexão direta e profunda com nossas deidades. (Nota: na imagem acima, a figura à esquerda é a vênus de Willendorf, a mais famosa Deusa Mãe da pré-história e a figura à direita é a imagem do Deus Cernunnos equilibrando a natureza, controlando presa e predador, imagem esta encontrada no Caldeirão de Gandestrup, um rico vasilhame de prata celta com mais de dois mil anos).

   Que a Grande Deusa e o Grande Deus o abençoem!

 

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